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O EXTREMISMO IDEOLÓGICO E O APOLITISMO: A DEPRESSÃO DEMOCRÁTICA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO

  • Foto do escritor: Thiago Alencar
    Thiago Alencar
  • 25 de out. de 2022
  • 21 min de leitura

RESUMO: O presente artigo científico tem como objetivo geral estudar a relação existente atualmente entre sociedade e representantes do povo, uma vez que se observa apatia social com a classe política, o que denota certa depressão democrática e risco ao Estado Constitucional de Direito, como idealizado na contemporaneidade. Para melhor organizar o raciocínio, o objetivo específico foi centrado em estudar qual o papel do povo no Estado, a função dos representantes do poder e o movimento democrático contemporâneo. A metodologia utilizada é a indutiva, utilizando-se de conceitos pré-existentes de Estado, Poder e democracia. A conclusão, portanto, é que existe o desinteresse social pela política é fruto do distanciamento dos representantes do povo da ética e da moral, tendo em vista que os discursos e promessas políticas não se convalidam quando chegam ao Poder.


PALAVRAS-CHAVE: Democracia. Ética. Poder. Política. Povo.


ABSTRACT: The present scientific article has as general objective to study the existing relationship between society and representatives of the people, since there is social apathy with the political class, which denotes a certain democratic depression and risk to the Constitutional State of Law, as idealized in contemporary times. In order to better organize the reasoning, the specific objective was centered on studying the role of the people in the State, the role of the representatives of the power and the contemporary democratic movement. The methodology used is inductive, using pre-existing concepts of State, Power and democracy. The conclusion, therefore, is that there is a social disinterest in politics is the result of the distancing of representatives of the people from ethics and morals, in view of the fact that political speeches and promises do not validate when they come to power.


KEYWORDS: Democracy. Ethic. Power. Politics. People.


SUMÁRIO: Introdução. 1. Política e poder. 2. Democracia e sua depressão contemporânea. 3. Considerações finais. Referências.


SUMMARY: Introduction. 1. Politics and power. 2. Democracy and its contemporary depression. 3. Final considerations. References.



Introdução


O objetivo geral deste estudo é verificar a relação existente, atualmente, entre sociedade e representantes do povo, uma vez que se observa apatia social com a classe política, o que denota certa depressão democrática e risco ao Estado Constitucional de Direito, como idealizado na contemporaneidade.


Para melhor organizar o raciocínio, o objetivo específico foi centrado em estudar qual o papel do povo no Estado, a função dos representantes do poder e o movimento democrático contemporâneo.


É nesse contexto que se revela que os países democráticos, mesmo os mais desenvolvidos, vivem um clima de apatia política que envolve os eleitores. O distanciamento entre a atuação política dos governantes e parlamentares em relação ao que o povo espera destes enquanto representantes gera descontentamento dos Cidadãos.

A metodologia utilizada é a indutiva, utilizando-se de conceitos preexistentes de Estado, Poder e democracia. A conclusão, portanto, é que existe o desinteresse social pela política é fruto do distanciamento dos representantes do povo da ética e da moral, tendo em vista que os discursos e promessas políticas não se convalidam quando chegam ao Poder.


Para o estudo, propõe-se como conceitos operacionais: (i) de Maritain , para quem “O Estado é unicamente a parte do corpo político que se refere especialmente à manutenção da lei, ao fomento do bem comum e da ordem pública e à administração dos negócios públicos.”; (ii) o fornecido por Acquaviva , onde “Poder é a capacidade de impor obediência”; (iii) de Cruz , para quem a “[...] política é o governo destas situações sociais, a atividade de direção das mesmas, ordenando-as e integrando-as.”; de Ferreira Filho , “Povo, para ele, é o conjunto dos indivíduos, é um mero coletivo, uma reunião de indivíduos que estão sujeitos a um poder.”; e o de Bobbio , para quem a democracia é como “[...] o governo do poder público em público”.



1. Política e poder.


Não é de hoje que filósofos de todo o mundo estudam os movimentos sociais e seus reflexos na comunidade em geral.


Esmiuçar a natureza do homem e sua interação com a pólis é algo estudado desde a época do filósofo grego Aristóteles de Estagira (384 a.C – 322 a.C), discípulo de Platão, para quem o homem é um animal racional que fala e pensa (zoon logikon). O animal político aristotélico é um dos conceitos mais estudados na filosofia política e um pilar teórico para a organização social e política.


Desta forma, não é possível ao ser humano se distanciar da política, sob pena de se distanciar da sua própria essência. Nesse sentido, convém destacar a lição de Dallari , sobre compreensão e a origem da palavra “política”:


Os gregos davam o nome de polis à cidade, isto é, ao lugar onde as pessoas viviam juntas. E Aristóteles diz que o homem é um animal político, porque nenhum ser humano vive sozinho e todos precisam da companhia dos outros. A própria natureza dos seres humanos é que exige que ninguém viva sozinho. Assim sendo, a “política” se refere à vida na polis, ou seja, à vida em comum, às regras de organização dessa vida, aos objetivos da comunidade e às decisões sobre todos esses pontos.

Não há dúvida que a origem da ideia de política está atrelada à organização da vida em coletividade e às formas de se organizar esse tipo de viver. Nesse cenário, é possível salientar que a política é indispensável para a vida em sociedade.


Aristóteles é categórico ao expor que a origem do Estado é a sociedade, daí porque chamá-lo de “sociedade política”.


Todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as “ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível. Chamamo-la Estado ou sociedade política.


A relação política é advinda de uma relação típica de poder que, por sua vez, se desenvolve do vínculo entre governantes e governados. Trata-se de tema presente desde a antiguidade, expondo-se de diversas formas, que do grego crátos (força, potência) e arquia (autoridade) originam, com as adequadas combinações, os nomes das formas de governos que são usadas até hoje: democracia, aristocracia, oligarquia, e as palavras que foram usadas para designar formas de poder político: fisiocracia, burocracia .


Assim, Bobbio leciona que “Emprega-se o termo ‘política’, normalmente, para designar a esfera das ações que têm relação direta ou indireta com a conquista e o exercício do poder último (supremo ou soberano) sobre uma comunidade de indivíduos em um território” .


Não podemos deixar de efetuar uma análise clássica do poder com base na realizada por Max Weber. Para este, na política se situa as relações de mando e obediência, que se fundamentam não apenas bases materiais ou nos hábitos de obediência dos súditos, contudo fundamenta-se da legitimidade. Nesta ótica evidencia Paulo Márcio Cruz:


O Estado e – por via de consequência – o Poder Público, seria, portanto, um mal necessário. A necessidade do soberano só se justificaria enquanto fosse cumprido o pactuado, ou seja, a manutenção da ordem. Sem a garantia de segurança não seria racional obedecer, e lógico e legítimo, se rebelar.

É característica da sociedade moderna, a crença na legitimidade do ordenamento jurídico, onde a fonte do poder é a lei, à qual ficam sujeitos não apenas aqueles que prestam obediência, mas também aquele que manda. Nesse sentido, o autor Max Weber:


O aparelho administrativo do Poder é a burocracia, com sua estrutura hierárquica de superiores e de subordinados, na qual as ordens são dadas por funcionários dotados de competência específica.

Na concepção de Maquiavel, abordada em sua obra “O Príncipe” buscar compreender a sociedade tal como ela se apresenta na experiência real de seu tempo constatando, como os homens governam e como na política, a sabedoria no uso da força, é fator crucial para efetivar e manter o poder:


Nas atitudes de todos os homens, sobretudo dos príncipes, em que não existe tribunal a que recorrer, o fim é o que importa. Trate, portanto, um príncipe de vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, pois as massas se deixam levar por aparências e pelas consequências dos fatos consumados, e o mundo é formado pelas massas.

No estudo da política, o poder é um dos fundamentos essenciais, em razão de sua fluidez em seus diversos setores, desde a análise das burocracias, ou nas organizações. Sendo um instrumento privilegiado de interpretação nas relações internacionais, sem sua verificação torna-se impossível entender o funcionamento, estabilidade e instabilidade do sistema internacional. Sendo, portanto, nas relações sociais imprescindíveis para as políticas nacionais e locais.


Assim, a partir das mais repetidas, conhecidas e óbvias noções de Poder, temo-lo, segundo Pinto Ferreira como “a capacidade de impor a vontade própria numa relação social”. Ou, de maneira similar, como se exprimiu Norberto Bobbio, entendendo “Poder como a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de outro indivíduo”.


O nascimento do Estado como o conhecemos atualmente não tem cientificamente uma data ou evento. Sabemos, apenas, que o Estado teve suas raízes na formação tradicional das comunidades.


Portanto, para se compreender a formação do Estado qual se tem hoje, é preciso ver os estágios de desenvolvimento da comunidade estatal.


De início, tinha-se uma população que vivia da caça e da colheita, evoluindo para o surgimento de comunidades territoriais compostas de agricultores, ou seja, o desenvolvimento do Estado tribal.

Neste período, extremamente rudimentar, encontra-se a base social, onde se extrai uma comunidade voltada para dentro, intestinal.


A evolução leva a uma ordem econômica fundada na divisão do trabalho - surgimento do Estado territorial moderno, com arcaica delimitação de terra.


Após, o Estado chega à sociedade industrial complexa, com um Estado organizado em partidos e o Estado legislador, produtor de normas. Assim, com as revoluções industriais, cujas inovações tecnológicas modificaram a estrutura produtiva da sociedade, vários outros fatores influenciaram questões específicas, ocorrendo um período de intensiva e excessiva modificação social e econômica.


Após as revoluções dos séculos XVII e XVIII, com o caráter representativo e indireto da democracia implantada em diferentes países somados a outros fatores, tais movimentos pregavam a importância da proteção dos indivíduos em face do poder político, como notavelmente explica Bakunin:


A sociedade moderna está de tal modo convencida desta verdade: que todo o poder político, qualquer que sejam sua origem e sua forma, tende necessariamente ao despotismo – que, em todos os países onde pôde se emancipar um pouco, apressou-se em submeter os governos, mesmo quando emanados da Revolução ou da eleição popular, a um controle tão severo quanto possível. (...) Em todos os países que possuem governo representativo, e a Suíça é um deles, a liberdade só pode ser real quando este controle é real. Ao contrário, se o controle é fictício, a liberdade popular torna-se necessariamente também pura ficção.

John Locke, em sua obra “Dois tratados sobre o governo”, define o poder político enquanto:


O direito de editar leis como pena de morte e, consequentemente, todas as penas menores, com vistas a regular e preservar a propriedade, e de empregar a força do Estado na execução de tais leis e na defesa da sociedade política contra os danos externos, observando tão somente o bem público.

Para ele, o fundamento do poder político é o consentimento, eis que os homens são “(...) naturalmente livres, iguais e independentes, ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio consentimento” .


O poder é um dos fenômenos mais propagado na vida social. Pode dizer-se que não existe praticamente relação social na qual não esteja presente, de qualquer forma, a influência voluntária de um indivíduo ou de um grupo sobre o comportamento de outro indivíduo ou de outro grupo. Não devemos nos surpreender ao verificar que o conceito de Poder foi empregado para interpretar os mais diversos aspectos da sociedade. Todavia, o campo em que o Poder ganha seu papel mais crucial é o da política.


Observa-se que o Poder é considerado como uma das variáveis fundamentais, em todos os setores de estudo da política. Desse modo, transita, por exemplo, na análise das burocracias, e, mais genericamente, na análise das organizações, onde a estrutura hierárquica mais ou menos acentuada e as diversas formas que ela pode assumir colocam, naturalmente, em primeiro plano, o fenômeno do Poder.


Verifica-se também a fundamentalidade do Poder no estudo das relações internacionais, onde o conceito de Poder, quando não é considerado como instrumento privilegiado de interpretação, fornece de uma maneira, um critério de análise de que não se pode prescindir e verifica-se também, no estudo dos sistemas políticos nacionais e locais, onde o estudo do Poder termina no estudo da natureza e composição das elites políticas.


O Estado é uma condensação de relações de forças materializadas na união de poder, de modo simultâneo em que é influenciado pela sociedade, e realiza sobre ela o seu domínio por intermédio de uma institucionalidade jurídica, burocrática e ideológica. A união de poder que sustenta o poder do Estado caracterizaria a força organizada e concentrada de determinada parcela da sociedade que ambiciona a dominação e a regulação da sociedade como um todo.

No entanto, apesar de o Estado sustentar seu poder através do seu compromisso, mantido de uma forma geral com todos os segmentos da sociedade, devendo ainda atender às expectativas da sociedade em geral para se legitimar. Além de representar os interesses da classe dominante, deve compreender também os interesses das classes dominadas.


Deve o Estado ser concebido com a junção da sociedade civil e a sociedade política: A sociedade civil é o conjunto das instituições responsáveis pela elaboração e difusão de valores simbólicos, de ideologias, compreendendo o sistema escolar, os partidos políticos, as Igrejas, as organizações profissionais, os sindicatos, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e artístico. A sociedade política é o conjunto de aparelhos por meio dos quais a classe dominante detém ou exerce o monopólio legal ou de fato da violência, Trata-se dos aparelhos coercitivos do Estado, encarnados nos grupos burocráticos ligados às forças armadas e policiais e à aplicação das leis.

A percepção colhida deste passado é que as comunidades primitivas se caracterizam, em geral, pela população e pelo poder político, sendo o território a base física que delimitou definitivamente o Estado.


O poder político correlaciona-se com a formação do poder civil, pressupõe, então, o ato de consentir e manifesta-se através do acordo ou convenção entre todos os membros da comunidade, os quais abandonam o estado de natureza (pactum societatis).

Desse modo, Locke destaca que existe apenas uma forma por meio da qual ao indivíduo é possível abrir mão de sua inerente e natural liberdade, ao passo em que se vincula aos acordos estabelecidos pela sociedade civil. Segundo o autor, isso somente poderia ocorrer por meio da anuência e concordância com outrem e com a união do indivíduo com uma comunidade.

Iniciando por estas premissas, nota-se que o ventre dos elementos do Estado vem de época de grande guerra por território, onde as nações lutavam por expansão e domínio. Daí o dueto Estado e Poder.


O poder através do Direito, manifestado na capacidade de criar normas jurídicas, seria o ápice do poder que um Estado pode deter, sendo o monopólio da força tão somente uma consequência da dominação legal. Poder é, então, a capacidade de impor obediência.


Aristóteles , em sua obra “A Política”, afirma que o legislador consiste em figura que “deve imprimir profundamente no espírito de seu povo que o que é muito bom para cada um em particular também o é para o Estado”.


O poder reporta-se necessariamente aos meios para se alcançar fins almejados, e se exterioriza na relação com a natureza e nas conexões que envolvem o gênero humano.


Desse modo, a esfera política é ultrapassada pelo poder, a não ser que acatemos o pressuposto de que “tudo é política”. O poder tem sido conceituado, segundo Bobbio como “consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem” (Hobbes) ou, analogamente, como “conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados” (Russell)” .


Jouvenel esclarece que a obediência civil é fundamental para o Poder. Se uma comunidade não obedece à ordem emanada do Poder, fragiliza o Estado. Nesta esteira, Paulo Márcio Cruz afirma que “a sociedade, como ambiente político, sempre teve no Poder o meio que permite eleger as diversas possibilidades diante de, considerando diversos aspectos políticos”.


E segue o doutrinador francês dizendo que “a extensão do Poder (ou da capacidade de dirigir mais completamente as atividades nacionais) causou, portanto, a extensão da guerra.”.


Para além das origens do Estado e do Poder, parte da doutrina da Teoria Geral do Estado propõe como causas constitutivas do Estado - ou elementos básicos de sua constituição: a soberania, o território e o povo. São referências Darcy Azambuja, Paulo Bonavides, Pedro Salvetti Neto.

Não se tem o Poder como constituição do Estado. O Poder refletir-se-á através da soberania. Soberania natural, portanto, que se tenham conceitos mais conservadores, vocacionados à proteção intestinal de cada nação.


Aristóteles localizou o Estado separando-o das demais comunidades humanas, o que chamou de autarquia. Para ele, a autossuficiência do Estado supria todas as suas necessidades mediante os esforços da comunidade que o compõe, não dependendo de qualquer apoio externo.

Dallari, citando o jurista francês Jean Bodin, diz que ele entendia que a soberania de um Estado estava em seu poder de legislação, para quem a “Soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República”.


Por sua vez, Hobbes, teórico político inglês, concebia a soberania associada à imagem do Monarca, descrevendo o nascimento do poder da seguinte forma:


A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembléia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e ela ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do testado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurara paz e a defesa comum.

Observa-se que o poder estatal, como definido por Hobbes, vem através da conferência a um homem ou assembleia de homens que possa unificar as vontades plurais, pois através desta autoridade, concebida por cada indivíduo no Estado, é que vigora a permissão para o uso do poder e da força, capaz de impor o terror e de conformar as vontades de todos eles, inclusive em face dos inimigos estrangeiros.


Devido a uma série de razões, incluindo mudanças na natureza da democracia, bem como mudanças tanto nos próprios partidos como na sociedade, em geral, os partidos dão-se conta da sua crescente incapacidade para funcionarem como agentes de representação.

Se antes, como diz o autor, o sufrágio universal durante muito tempo foi uma instituição que mobilizou os cidadãos “porque acreditavam no seu valor moral e prático”, no qual os representantes tinham grande credibilidade “pensando nas grandes decisões políticas”, essa impressão, afirma, hoje parece ilusória para muitos. Há uma grande descrença nas instituições legislativas e, portanto, na representação política.


Outro aspecto salientado por Bernardo é que uma percentagem muito significativa de pessoas “prefere mostrar a sua descrença pela democracia representativa pura e simplesmente não votando, em vez de eleger os candidatos de extrema-esquerda que se apresentam em plataformas críticas dessa democracia representativa”.

Dessa forma, o autor aduz ainda:


A desconfiança atinge todos os que participam nos processos eleitorais, quaisquer que sejam as suas ideologias e o teor dos seus discursos. E assim o que vemos por todo o mundo é uma colossal perda de legitimidade das democracias. Basta uma aritmética rudimentar para constatarmos que, com 1/3 de abstencionistas, que é uma percentagem bastante comum, o candidato ou o partido que obtenham metade dos votos conseguirão, afinal, o sufrágio de apenas 1/3 do eleitorado.

Mesmo quando o número de abstencionistas se reduz a 1/4, o que pode ser considerado como uma taxa de participação elevada, quem alcance metade dos votos conta apenas com 37,5% de aprovação. Que grandes vitórias! Esta perda de legitimidade das democracias não é certamente alheia ao reforço da fiscalização dos gestos mais comuns do dia-a-dia, através dos meios electrónicos de vigilância. O que tem afinal ocorrido é a transformação gradual das democracias representativas em autoritarismos tecnocráticos, e o crescimento das abstenções é um indício deste processo.


A crise não é da democracia per se mais de um tipo específico de governo representativo, crise que se expressa na distância crescente entre representantes e representados e, portanto, uma crise de representação política.


Em Jellinek, a teoria da autolimitação indica que a soberania é uma vontade que somente pode ser acionada por si mesma, sendo autodeterminada. Ela própria é quem diz até onde sua ação pode ir, não estando limitada por vontades alheias. A soberania seria ilimitada e ilimitável, com forte tendência absolutista, já que nada a limitaria.


Maritain diz que “O Estado é unicamente a parte do corpo político que se refere especialmente à manutenção da lei, ao fomento do bem comum e da ordem pública e à administração dos negócios públicos.”.


Por fim, a interdependência internacional e o declínio da autonomia dos Estados são elevados como etapas finais da evolução estatal, uma vez que atualmente se discute como atores transnacionais influenciam as nações e relativizam a soberania.



2. Democracia e sua depressão contemporânea.


Nas democracias contemporâneas há uma consolidação da relação entre sistema econômico, posição política e ideologia. Na estrutura partidária a uma identificação das identidades dos perfis partidários, pois parecem submetidos pela posição unidimensional (na dimensão esquerda-direita), ligados a determinada concepção teórica acerca da competição partidária, qual seja, a teoria econômica da democracia, conforme os partidos caminham diante uma ideologia manifestando proposta de políticas que permitem mudar de posição para obtenção de votos.

Uma das causas de obedecer a um sistema político é esta relacionada à posição em relação ao desejável da intervenção estatal na economia, isto é, que favorece meus interesses econômicos, entre a extremidade esquerda (controle governamental pleno) e a extremidade direita (mercado completamente livre). Nas palavras de Weber, “Toda verdadeira relação de dominação comporta um mínimo de vontade de obedecer, por conseguinte, um interesse, exterior ou interior, a obedecer”.


Com o movimento neoliberal econômico, resultado da globalização, que tem origem no liberalismo econômico - diferentemente do liberalismo político que influencia a economia em outra perspectiva -, apoiando a grande aplicação de novas tecnologias e principalmente a abertura de mercado, o Estado que atualmente possui o papel de regulador da economia de maneira a alargar o bem-estar social passa a ter como meta a menor interferência, afastando-se do welfare state.


A globalização da economia mundial, de certa maneira, contribuiu para piorar as desigualdades sociais, em que um reduzido grupo concentra a maior parte da riqueza. Para Comparato:


Tudo isso permite observar que, nos países de grande desigualdade social – dos quais o Brasil é, por assim dizer, o modelo perverso – o aperfeiçoamento democrático não passa, necessariamente, tal como sucede em países igualitários (rectius, de forte classe média), pela atribuição de maiores poderes decisórios ao povo por meio da ampliação do uso obrigatório de referendos e consultas populares. É que, justamente, esses poderes acrescidos não serão de fato exercidos pelo povo enquanto corpo coletivo unitário, mas sim pelos detentores do verdadeiro kyrion ou poder supremo efetivo, no seio do povo. Em suma, pelos oligarcas de sempre. São eles – e unicamente eles – que constituem na realidade o Aktivvolk, segundo a terminologia adotada por Müller.

Com base em uma análise bastante realista do debate institucional brasileiro, o constitucionalista pátrio sustenta que a partir de um modelo de discurso comprometido com a Constituição, em países em desenvolvimento como o Brasil, dominados pelo capital transnacional globalizante, nota-se uma ditadura dissimulada em democracia representativa, onde, de resto, nem se sabe quem é e onde está o povo.


Constata-se que no Brasil há um espírito democrático bloqueado por um modelo de representatividade profundamente deslegitimado, até mesmo pela crise de representatividade dos partidos políticos, possuindo uma democracia mutilada, sem a sua essência constitutiva (o povo).


Assim, o desmoronamento da democracia é uma causa de desmotivação política, isto é, despolitização; trata-se do desinteresse pela política, possuindo duas explicações contundentes desse fenômeno, o primeiro diz respeitos aos motivos racionais de acreditar na capacidade da política de realizar um mínimo de justiça social; a outra explicação seria a ausência de confiança no pessoal político, sua honestidade.


Berten, citando o autor C. Alencar , diz que a desmotivação política é um fenômeno empírico evidente, conforme se constata da sondagem nacional realizada:


Sondagem nacional do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP, realizada em março [de 2014], constatou que 76% dos ouvidos não confiavam no Congresso, 73% não acreditavam no empresariado e 70% não creem no respeito às leis no Brasil. Junte-se a esses dados a pesquisa Datafolha de maio em que seis em cada dez brasileiros prefeririam não votar nas próximas eleições, e podemos afirmar: a credibilidade das instituições despenca.

Adentrando-se na temática do apolitismo ou despolitização, é necessário analisar as principais circunstâncias contemporâneas que provocaram a desmotivação com a política. Bobbio aduz a presença de uma “apatia política”, mesmo nas Democracias mais consolidadas. São pessoas que não estão orientadas nem para os outputs (benefícios que o eleitor pode extrair do sistema político) nem para os inputs (eleitores participativos, empenhados na articulação das demandas e na tomada de decisões).


Importante salientar, que ao longo da história do Brasil, e devido às constantes e sucessivas crises e mudanças nas representações políticas, surgiram várias razões para despolitizar uma sociedade, entre elas podemos citar envolvimento em escândalos de corrupção ou de apadrinhamentos políticos em cargos comissionados.


Nas palavras de Bonavides a “mídia, nas mãos da classe dominante, é a mais irresistível força de sustentação do status quo e de seus governos conservadores, impopulares, injustos” .

Nesse contexto, é importante destacar que a corrupção se tornou uma maneira normal de adquirir o poder, razão pela Michelangelo Bovero pontua:


Se a democracia tende por si mesma a reduzir a violência nas relações humanas, o modo como ela se realizou e funciona consentiu em que em lugar da violência se afirmasse a astúcia, sua companheira e rival de sempre. Conseqüentemente, em lugar do realismo tradicional que justifica a imoralidade violenta do poder, afirma-se, entre as paredes domésticas das democracias reais, um novo realismo, que justifica a imoralidade da corrupção, ou a amoralidade implícita na redução da lógica da política à lógica do mercado — novo realismo, portanto, também no sentido da ideologia apologética da “realidade” recente das nossas democracias, tão pouco ideais. Um maquiavélico, um paretiano cético diria simplesmente que na cena política voltou o tempo das raposas; mas um kantiano incurável renovaria a crítica ao realismo, casando-a com a crítica à mercantilização universal.

Contudo, em que pese todas as evoluções ocorridas na democracia brasileira, a despolitização tem se elevado, tendo em vista o comportamento político da sociedade passando a ser cada vez mais superficial, tanto em nível nacional, como estadual e municipal, gerando consequências nefastas para o desenvolvimento do país, ficando os eleitores impotentes com resultado de suas atitudes, não possuindo poder de decisão capaz de mudar a realidade de suas vidas e muito menos da nação.


Portanto, a fiscalização e a cobrança dos eleitores são de necessária importância para o progresso da democracia, evitando muitos das problemáticas que hoje sondam a política.



3. Conclusão.


A evolução conceitual, semântica e valorativa das palavras Democracia, Ética, Poder, Política e Povo, foram fundamentais para o estabelecimento da nova ordem mundial e o sentimento global de depressão social.


A política antes vista como um cenário de debates populares, capaz de gerar frutos as cidades para o bem coletivo, passou a ser campo de poucos e corporativistas.

Política é o governo das situações sociais, que está vocacionada a atividade de dirigi-las, organizando-as e integrando-as.


Como visto, Aristóteles compreende que a lei deve representar o espírito do seu povo, partindo do interesse individual até a concretização do Estado – o bem coletivo.

Entretanto, parte da sociedade passou a se distanciar do debate por entender que não é válido conversar sobre o bem coletivo. Criou-se extremidades e isolamentos ideológicos. A saudável dialética passou a uma retórica espúria.


Poucos se interessam pelo outputs (benefícios que o eleitor pode extrair do sistema político) e pelos inputs (eleitores participativos, empenhados na articulação das demandas e na tomada de decisões), especialmente aqueles que fazem parte do corpo corporativista contemporâneo.

É que o Estado de bem-estar social, geralmente associado ao equilíbrio do socialismo com o capitalismo, cada dia se distancia mais do interesse dos grandes membros detentores do capital, formando uma espécie de clube do mercado global.


A democracia, então, deixa de se evidenciar como o governo do povo para ser o governo de corporações de interesses próprios. Torna-se o centro de debates esfacelados, simulados, já que as decisões sobre o rumo da polis já está tomada em escaninhos distantes dos olhos coletivos.

Portanto, governantes e governados já não se veem um no outro, denotando grave crise de identidade e depressão na democracia contemporânea.


A democracia não pode viver distante do direito. E o direito entendeu, secularmente, que o poder deve limitar o poder. O Estado democrático de direito não se amolda a desejos minoritárias de grupos capitalistas e vaidosos. A democracia é maior e merece dos virtuosos, constante combate no enfrentamento da despolitização.



Referências


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Recebido em: 07/01/2022

1º Parecer em: 19/04/2022

2º Parecer em: 07/02/2022





Como citar o artigo:


ALENCAR ALVES PEREIRA, T. O extremismo ideológico e o apolitismo: a depressão democrática no estado contemporâneo. REVISTA ELETRÔNICA DA PGE-RJ, [S. l.], v. 5, n. 2, 2022. DOI: 10.46818/pge.v5i2.282. Disponível em: https://revistaeletronica.pge.rj.gov.br/index.php/pge/article/view/282. Acesso em: dia mês ano (22 out. 2022).


 
 
 

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